CRONO(AUTO)BIOGRAFIA

1961 - NASCIMENTO

EU, Valdeci dos Santos, nasci em 22 de dezembro de 1961, na cidade de Feira de Santana – Bahia - Brasil. Sou a primogênita dos dez filhos do casal Lourival Pereira dos Santos e Maria Sebastiana dos Santos.

1968 - FORMAÇÃO ACADÊMICA - EDUCAÇÃO INFANTIL

PRIMEIRO DIA NA ESCOLA

Iniciei minha Educação Formal em 1968, na cidade de Feira de Santana – Bahia - Brasil. Meu primeiro dia na escola foi tenso e com muito choro. Senti medo daquele ambiente estranho e, em especial, da Diretora do Colégio Estadual Coriolano Carvalho, a professora X, que tinha sido professora dos meus pais e os havia ofertado alguns traumas pedagógicos. Aquela profissional atuara nas décadas de 40 e 50 em classes multisseriadas, seus alunos eram submetidos à pedagogia da palmatória acompanhada da tríade de exclusão: preconceito, estereótipo e estigma.

Meus pais ficaram na escola apenas um ano, onde aprenderam a ler e escrever. Cresci, até aquele momento, escutando minha mãe falar do terror vivenciado na escola, da violência física e psíquica a que era submetida nos momentos da tabuada. Narrava, sobretudo, como os colegas mais velhos e mais adiantados batiam nas suas pequeninas e frágeis mãos, a pressão da professora, através da palmatória, para que ela escrevesse com a mão direita, negando sua condição de canhota. De imediato, minha mãe compreendeu e aceitou que seu lugar não era na escola. Carregando, assim, até hoje, o discurso da incompetência cognitiva.

Descendentes de famílias de analfabetos, meus pais conscientes da importância da escola cultivaram, firmes, o entusiasmo de realizarem seu projeto mais ambicioso – a educação dos filhos: todos os filhos(as) teriam diploma. Sendo a primogênita, competia- me iniciar o acesso àquele locus de mobilidade cognitiva e social.

Construí uma imagem negativa do ser professora, tendo uma única referência, a professora X. Quando a vi, no primeiro dia de aula, carregando na mão direita uma palmatória, imediatamente, agarrei-me a minha mãe. Minha mãe pediu-me que parasse de chorar. Hoje, penso que aquele cenário foi terrível para ela, acredito que tenha sofrido com a possibilidade da reedição do seu circuito escolar em meu processo de aprendizagem. Naquele ambiente angustiante, surgiu, saindo de uma sala de aula, uma mulher jovem, com o sorriso meigo e acolhedor. Encaminhou-se em nossa direção e, estendendo as mãos para mim, disse para minha mãe “[...] Sou a professora da sua filha. Pode ir tranquila que eu cuido dela”, e garantiu-me: “[...] Não tenha medo. Você vai aprender muitas novidades”. Senti confiança e, desvencilhando-me da roupa da minha mãe, estendi minha mão, que foi acolhida por minha professora.

Dia marcante na minha história profissional e de sujeito desejante! Estava diante de uma professora completamente diferente daquela dos meus pais. Era elegante na maneira de falar e de acolher o aluno. A impressão era que me encontrava num ambiente mágico, um misto do desconhecido e dos cenários imaginários das estórias que meu pai costumava contar à noite, antes de colocar-nos para rezar. Desejei, ali, ser professora. E, mais, ser uma professora como aquela professora - a minha primeira professora, Prof.ª Zilair Almeida Gomes.

SEGUNDO DIA NA ESCOLA

Através de memórias, transporto-me ao meu segundo dia de aula: fui à escola com meu pai. Pela memória olfativa recordo-me do odor delicioso do lanche que mainha preparara para acompanhar a queijada que painho havia comprado na Padaria da Fé, do cheiro da colônia Seiva de Alfazema com que mainha perfumou-me; pela memória cromática visualizo a cor rosa da lancheira, a fita de seda rosa que prendia meus cabelos, e o azul da velha bicicleta do meu pai; pela memória sonora escuto o som das pedaladas da sua bicicleta e latidos de cães – fato que contribuía para aumentar o meu medo de estar indo para o mundo estranho chamado escola. O diálogo do meu pai era um monólogo apresentando-me as vantagens da escola e de se estudar, é pontual o trecho no qual meu choro era intenso e painho afirmou-me: “[...] Val, não chore. [...]. Você está indo para a escola para ser uma Doutora.”. Tenho clareza que Ele desconhecia a existência de um título acadêmico designado de Doutor/Doutora, especialmente por pertencermos a uma linhagem de gerações composta por analfabetos.

O DESEJO DE SER PROFESSORA

Descobertas e aprendizados vivenciados na Educação Infantil reforçaram o meu desejo de ser professora.

As atividades de classe e extraclasse que a Prof.ª Zilair Almeida Gomes realizava, fez-me ver um mundo de possibilidades. O passeio à Biblioteca Infantil de Feira de Santana apresentou-me o universo mágico dos livros. Naquele espaço educativo, meu encantamento com a quantidade, a diversidade de cores, imagens e formatos dos livros infantis era indescritível.

A visita à Biblioteca Municipal Arnold Silva, apresentou-me um espaço rico de surpresas. O contato com o setor de braile foi marcante, pois desconhecia a existência de pessoas cegas, algo que me pareceu terrível; porém, não sabia ao certo o que era ser cego. Descobri, ali, também, que os cegos têm uma forma particular de leitura, ao manusear um imenso livro cheio de pontinhos, os quais, a professora nos explicou, eram lidos através do tato, ou seja, passando os dedos sobre os mesmos, e que cada grupo de pontos representava uma letra. Retirei-me dali imensamente feliz. Considero as bibliotecas um locus de possibilidades e singularidades.

A descoberta que sabia ler. Emoção total. Podia ser professora. Lia a cartilha ABC Infantil e o ABC dos animais, sempre, com “postura” de professora. Adorava a brincadeira Sou a professora. Apesar da pouca idade considerava que a “postura” de professora é singular em sua expressão. Posteriormente, compreendi que ser professor(a) é vivenciar um circuito de interações de limites e possibilidades com o Outro. Pois esse Outro “que não é como eu, que é diferente de mim, representa um ser em movimento, demarcando sua importância enquanto diferente singular, que evidencia um velado e um desvelado na construção bio-psico-sócio-cultural dos indivíduos”.

A segunda brincadeira que me seduzia além da brincadeira Sou a professora era: observar, especialmente, plantas e animais na casa da minha avó materna. Ela era a rezadeira local, cultivava um rico acervo de plantas medicinais, seu quintal era um maravilhoso livro de Botânica para qualquer criança, sem contar seu colorido jardim de dálias - Dhalia sp. Dona Jana, minha avó Joana Pereira da Silva, era reconhecida pela sabedoria dos comentários e pela disponibilidade para acolhimentos de quaisquer uns que estivessem em dificuldades. Sua casa era frequentada por inúmeras pessoas em busca de acolhimento afetivo e terapêutico, sobretudo, de receitas de plantas conhecidas por suas ações terapêuticas. Os ritos e rituais de cura através de diálogos, orações, rezas e chás presenciados na casa de minha avó foram significativamente importantes, especialmente, na constituição do meu olhar para objetos de estudos na área da Etnobiologia.

A Etnobiologia é uma ciência ligada à Antropologia e à Etnometodologia e é, de modo geral, a base essencial para a compreensão da biodinâmica humana. Seu objeto de estudo se constitui de processos e mecanismos utilizados pelas comunidades humanas para suas conceituações sobre o conhecimento biológico relativo ao papel da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes. A Etnobiologia singulariza-se como uma ciência que reconhece o Outro da Cultura e consegue dialogar com o diferente.

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